terça-feira, 14 de agosto de 2012

UTOPIA ABATIDA


Mas me interessa a catarse
o caudal de humanidade
contido em cada passo
em cada ser vivente
ainda que distante
o horizonte divisado
ainda que inexista
o vivencial configurado
ainda que esconda
a face da discórdia
e se alimente da inveja
ou do ódio represado.

Ainda assim me envolve
e me deixa a circular
em todos os quadrantes
buscando atento o fio condutor
na infinidade de fios desencontrados
deixados em viagens
que não vão terminar
porque sequer começaram.

Eu me envolvo e me cruzo
com o gajo português
cuja rispidez disfarça
o peito lusitano
a explodir de poesia e lirismo
ou com o hermano espanhol
cuja descontração anuncia
a alegria do combate
que hoje explode nas ruas
em desafios musicais
como antes resplandecia
em pugnas civis.
Ah, eu enfrento o circunspecto francês
cuja desatenção se confunde com arrogância
mas é na verdade orgulho
pela pátria mãe da cultura
e de todas as liberdades.

Sim, eu me envolvo e me emociono
e me perco no manancial de lágrimas
que regam a semente internacionalista
de uma utopia abatida
pela face perversa
do mundo globalizado
de onde se retirou o sonho
e se aniquilou o homem.




(Em 2007, a caminho de Madrid, ainda no aeroporto de Porto, a 23 de Abril, Dia Mundial do Livro)

terça-feira, 17 de julho de 2012

SURTO DE HAICAIS


Conviver no amor
é trilhar caminhos da dor
estoicamente.



                                                Sonhos imponderáveis
                                                são enigmáticos sinais
                                                de loucos pesadelos.



Amor fermentado
em ódio: nutriente fetal
da intolerância.




                                                  Quando me desejam
                                                  muitas graças, eu bem pressinto
                                                  infelizes desgraças.



Fazer poesia
é fomentar uma forma
de alucinação..

domingo, 15 de julho de 2012

A ESPERANÇA É VERDE


                                                                      

                                                                 

CHICO DE ASSIS 

A esperança voga
e vive no fenecer
do tempo.

Tremula generosa
no olhar entrecruzado
em despedida
amor
tecendo o gesto
em direção à pílula fatal
mal digerida.

A esperança é feto.
Psicografa a melodia
determinação da luz
fulgurante
que nos imobiliza
e nos conduz.
Campos e relvas
virgens relembram
um tempo que se foi
para sempre
e parece não ter (s)ido
nunca.

Ah, o tempo de outrora
o tempo de contar
e cantar
a aventura inédita
a festa nos olhos
infantis
abertura pueril da
porta-fresta
onde penetra a morte.

Ah, o tempo do presente
assobiando o som
que nos perpassa o tímpano
e nos produz a dor
ancestral do amor
perdido
reencontrado
em chuva de dobrados
a orientar as mãos
os lábios velados
pelo riso
do renascimento.

Ah, o tempo do futuro
orquestração de címbalos
azuis
concertos musicais
de flautas
reencontro da cruz
em corrente magnética
com a poesia
que se esvai
no verso moribundo.
É preciso sim resistir:
por sobre os campos
os mares
as ruas
as calçadas
procurar a nota mágica
vinda de outras flautas
outros tempos
redescobrindo o nada
vazio mortal do salto
para a liberdade
azul
ninho da esperança
verde.

Agora as línguas
felinas
percorrem grutas
femininas
cavernas ambíguas
do ódio
laboratórios musicais
da solidão
que se eterniza.


sexta-feira, 13 de julho de 2012

INSUPORTÁVEL


Não suporto tédio. 
Não suporto mesmice.
Não suporto acomodações burocráticas. 

Talvez por isso
às vezes pense:
não me suporto!

O AMOR E O OUTRO




                                                                                                    Affonso Romano


           Não amo
                       melhor
            nem pior
            do que ninguém.

            Do meu jeito amo.
            Ora esquisito, ora fogoso,
            às vezes aflito
            ou ensandecido de gozo.
            Já amei
                       até com nojo.

            Coisas fabulosas
            acontecem-me no leito. Nem sempre
            de mim dependem, confesso.
            O corpo do outro
            é que é sempre surpreendente.





















terça-feira, 5 de junho de 2012

EM BUSCA DA JUSTIÇA



ALDIR BLANC


       Não sou historiador nem sociólogo. Não consultei nenhum livro para escrever o texto abaixo. Minha memória esta se movendo como   estilhaços do amado caleidoscópio que perdi, menino, em Vila Isabel. Viva a Comissão da Verdade para que nunca mais coloquem uma grávida nua sobre um tijolo, atingida por jatos d’água, com ameaça: “Se cair vai ser pior”; para que senhoras que fazem seu honrado trabalho não sejam despedaçadas por cartas bombas; para que um covarde que bote a boca de um homem torturado no escapamento  de uma viatura militar não passe por homem de bem onde mora; para que orangotangos que se tornaram políticos asquerosos não babem sua raiva na internet: “Nosso erro foi torturar demais e matar de menos”; para que presos em pânico não sofram ataques de jacarés açulados por antropóides; para que nunca mais teatros e livrarias sejam vandalizados e queimados; para que um estudante de psiquiatria não seja obrigado a passar por sentinelas de baioneta calada para ouvir  um coronel médico dizer que “histeria é preguiça”; para que os brasileiros possam homenagear um autêntico herói nacional, João Cândido, com um monumento, sem que surjam energúmenos prometendo “voltar a explodir tudo se isso apontar para o Colégio Naval”; para que a nossa Força Aérea, que nos deu tanto orgulho na Itália, com seus valentes pilotos de caça, não atire pessoas, como se fossem sacos de lixo, no mar; para que um pai, ao se recusar a cumprir a ordem de manter o caixão lacrado, não se depare com o corpo destruído do filho, jogado lá dentro feito um animal; para que militares honrados não sintam “constrangimento” na busca de Justiça; para que cavalos  ( aqueles de quatro patas, montados por outros) não pisoteiem um garoto com a camisa pegando fogo por estilhaço de bomba, na  Lapa; para que torturadores não recebam como  “prêmio” cargos em embaixada no exterior; para que uma estudante não desmaie num consultório médico ao falar sobre as queimaduras do pai, feitas com tocha de acetileno; para que esquartejadores não substituam Tiradentes por Silvério dos Reis; para  que  inúmeros Pilatos ainda trambicando naquela casa de  tolerância do Planalto vejam que suas mãos  continuam cheias de sangue e excremento; para que nunca mais na vida de um jovem idealista -o queixo firme , olhos faiscantes de revolta, com a expressão  da minha Suburbana no 3X4 que guardo na carteira - seja  ceifada por  encapuzados. Uma delas, quem sabe?, pode chegar a Presidência da Republica e enquadrar a récua de canalhas.


                                                                                            ALDIR BLANC


sexta-feira, 20 de abril de 2012

UM JOGO SEM FIM

                                                                                         CHICO DE ASSIS




Jogar com palavras:
confrontações
                       terminações
                                          ondulações.

O poema brinca saltita
o poeta sofre.

Tudo contido um signo:
que fosse amor e ódio
caos e ordem.