terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Crônicas de Segunda


                                                                                               Chico de Assis


                                                 


                                                               UMA VIDA SEVERINA



              Seu nome é Sujinho. Ninguém sabe por que nem quem o apelidou assim. Dizem que a alcunha foi se fixando, entre os casais que enojados viam-no empurrar o dedo na carne dos cocos que abre para vender. O que se sabe ao certo é que todos os dias, chova ou faça sol, ele sai com sua carrocinha de coco pelas areias da praia de Pau Amarelo. Faz um longo percurso. Falam que do Janga até as mediações da praia de Maria Farinha. Não menos de 6 kms, com certeza.
Sujinho percorre essa distancia, indo e vindo, conversando com o vento.Se alguém um dia quiser fazer um tratado sobre a solidão é só tentar acompanhá-lo em sua inesgotável fabulação com um companheiro imaginário. Ninguém decifra o que ele fala. Nem precisa. Juro que certa vez tentei. Até perceber que aquela era apenas uma forma de se sentir acompanhado. Excluído socialmente, rejeitado pelos circunstantes que apenas o olham passar pela areia da praia, Sujinho ignora a todos, falando um dialeto que só ele entende.
           Certa vez ele se aproximou de mim e de Beta – minha companheira atual e, se Deus quiser, afinal, minha companheira pra sempre. Estávamos sentados numa das inúmeras barracas da praia e ele se aproximou para nos oferecer um coco. Pelo menos foi o que pensamos que ele fazia. Porque ele se limitava a dizer, não vendi nenhum, não vendi nenhum. Por sinal, ninguém efetivamente jamais o viu vendendo um coco sequer. As histórias que circulam, entre os banhistas e comerciantes da praia, é que ele é doido e toda a vez em que alguém tentou abordá-lo para compra recebeu um desaforo ou terminou enrolado em alguma confusão por ele armada. Nós o recebemos divertidos, mas naturalmente dissemos que já havíamos tomado nossa água de coco. Ele resmungou algumas frases em seu dialeto inaudível e tomando distância já nas areias da praia fez com o braço o gesto característico de uma banana.
           De outra feita, procuramos obter informações a seu respeito. De onde vinha, onde morava, se tinha mulher, filhos. Ninguém sabia. É doido, diziam todos. Monocórdios. Hoje Sujinho voltava pela pista. A chuva forte o impedira do trajeto habitual nas areias da praia. Um carro desgovernado o apanhou, levantando-o no ar e destroçando sua carrocinha, dentro da qual não havia nenhum coco. Comentam que há muito era assim: ele conduzia a carroça, ida e volta, apenas para se sentir fazendo alguma coisa. Num acostamento de estrada, Sujinho sumiu. Tão rápido quanto um dia havia surgido.